Lightning Burger

Ao contrário dos outros alunos que também tiveram a mesma ideia de ir até a hamburgueria para comemorar a promoção para Genin, não era muito comum para Hikari frequentar aquele tipo de lugar. Ainda assim, o restaurante era informal o suficiente para que ele não distoasse em nada.

Hikari geralmente optava por roupas discretas. Usava calças pretas até abaixo dos joelhos, as típicas sandálias ninja e uma blusa preta de mangas longas e gola alta. A bandana brilhante de nova já estava em sua testa, e era basicamente a única coisa chamativa em si.

Ele logo conseguiu um lugar em um nicho, com um banco em u e uma mesa quadrada no meio, com o teto baixo provendo a iluminação especial do local. Ele se sentou primeiro, e Suzume se sentou logo ao seu lado. Desnecessariamente perto. Ele então passou para o outro assento, no fundo do cubículo, e ela pareceu entender, permanecendo onde estava. Não demorou nada e os menus estavam sobre a mesa. Ele continuou tentando uma abertura.

- Já vieram aqui antes? O que vocês acham bom?

Katsumi acompanhou os dois até a hamburgueria, sua bandana estava presa despretensiosamente em seu bíceps esquerdo. Não havia um motivo em particular pela escolha da posição, apenas a colocara ali porque parecera algo natural para ele. Vestia-se com roupas claras, como era de tradição do clã Hyuuga, uma jaqueta branca aberta revelava uma camiseta cinza por baixo assim como um colar, daqueles que se vê em lojas mais caras, usava calças longas e igualmente cinzas assim como as sandálias costumeiras para um ninja. Ainda que Hikari estivesse optando por ser discreto, seria incrivelmente difícil conseguir isso quando estava andando com Suzume e Katsumi. Ambos eram de famílias importantes, ambos tinham seu certo nível de fama, principalmente Katsumi que era dito ser um dos Hyuugas jovens mais habilidosos dos últimos tempos.

- Vim, uma vez. Mas não lembro o que pedi. - fora muito tempo atrás, logo após ingressar na academia ninja. Ele pediu para comer algo diferente do normal e seu pai o levou ali. Ele olhou para o menu, sem prestar muita atenção e escolheu um hambúrguer simples. - Peçam o que quiser, eu pago. É barato.

O lugar não era particularmente barato, mas a família Hyuuga era rica. O que era razoavelmente caro para alguns era pouco para Katsumi. Assim que eles fizeram seus pedidos, tendo optado ou não por aceitar a proposta de Katsumi, o Hyuuga cruzou seus braços e esperou que a comida chegasse. Assim que ambos seus colegas deram as primeiras mordidas, ele falou.

- Vamos fingir que eu não estudei todo esse tempo com vocês e os vi em ação. - o tom dele era sério. - Me digam suas qualidades. Pessoais, em combate, esse tipo de coisa. É bom para entender melhor um ao outro.

Haviam poucas coisas tão gostosas como comida grátis. Mesmo assim Hikari não quis abusar, já que o Hyuuga havia se oferecido pra pagar e também pegou um dos lanches mais baratos. Ele dava sua primeira mordida, tentando não deixar óbvio o quanto a gordura, sódio e açúcares daquela bomba anti saúde eram prazerosos, quando a pergunta foi feita. Por sorte, Suzume ainda não havia começado a comer, e foi a primeira a responder.

- Bom, eu sei alguns ninjutsus médicos básicos... E aprendi um pouco sobre ervas na aula de jardinagem para kunoichis... Mas ainda tenho dificuldade em me lembrar das diferenças entre espécies parecidas. - sua voz era fina e lenta, um pouco sonhadora. - Sabe? Que nem a carrapato-trevo e a hera venenosa... É difícil saber qual é qual.

Hikari não conseguiu esconder um franzir de sobrancelhas genuíno, que deixava meio claro que hesitaria em receber tratamento medico da garota. Mas pegou um Guardanapo e limpou a boca com ele antes de falar.

- Me lembro que você foi muito bem na aula de pergaminhos. Talvez você consiga ampliar seus conhecimentos pra fazer armadilhas?

Ela olhou pra ele com olhos brilhantes, como se marejados.

- Eu queria, mas... Meus pais acham que é importante que eu seja uma ninja médica e que continue praticando meu ninjutsu de família.

Hikari assentiu, meio desconcertado.

- Você vai conseguir. Vamos nos esforçar.

Ele era conhecido como Príncipe entre as meninas, e a prova viva havia acabado de acontecer.

Então, olhando para Katsumi, pediu:

- Antes de eu dizer mais sobre minhas habilidades, eu poderia ouvir as suas?

Ele também foi respeitoso ao perguntar aquilo a Katsumi, e não parecia debochado ou pretensioso. Apenas perguntou naturalmente.

- Seus talentos não devem ser impedidos por sua família. Se eles não vão ajudar a nutri-los, que apenas observem a flor do seu esforço na distância.

Talvez pensassem que era fácil para Katsumi falar uma coisa daquelas, afinal os talentos dele eram claramente apoiados pelos Hyuuga. E sim, esse era o caso e era justamente por isso que ele podia dizer coisas como aquela. Pois se em algum momento sua família deixasse de apoiá-lo ele simplesmente seguiria em frente sem eles e eles testemunhariam ele se tornar um dos maiores ninjas.

- Vocês conhecem o Punho Suave, certo? Eu posso bloquear o chakra dos meus oponentes com golpes precisos. Sem falar que - os olhos dele mudaram, o seu Byakugan fora ativado. - Eu tenho o Byakugan, o que torna essa técnica ainda melhor, permitindo que eu veja como o chakra flui. Há outros benefícios, como uma visão em 360 graus. Mas enfim, esses são alguns dos meus talentos.

Hikari pensou bem sobre o conselho de vida que Katsumi havia acabado de dar para Suzume. Um pensamento assim, de que poderia fazer qualquer coisa que quisesse quando e como quisesse, era típico da linhagem principal dos Hyuuga, aquela que tinha os guerreiros mais poderosos, e dinheiro a perder de vista.

Ele conseguia entender que, ainda que Katsumi decidisse ser um vendedor de lámen, contanto que fosse o melhor vendedor do melhor lámen a jamais existir, talvez - e ele ainda tinha suas dúvidas quanto a isso - talvez os Hyuuga aceitariam "observar a flor do seu esforço à distância". Aquele cara tava mesmo falando sério? Que mentalidade. Hikari acabou de descobrir o que seria um problema na convivência entre os dois.

Ele ia deixar pra lá, afinal, era uma mentalidade passada de geração em geração, por um povo que não somente acreditava - tinha certeza de sua superioridade genética. Kitsumi falou um pouco sobre suas habilidades, e aí ficar calado acabou sendo mais difícil do que ele pensava.

- Você é bom nas habilidades passadas pelo seu Clã... E está aconselhando Suzume daquela forma? - ele tinha um meio sorriso que tentou suprimir. - Olha, nem todo mundo tem condições de ir contra o próprio clã, ou mesmo contra as expectativas dos pais. Coisas são esperadas de pessoas como a Suzume, assim como são esperadas de pessoas como você. Acha mesmo que pra você, o atual único herdeiro de um dos Clãs mais influentes de Konoha seria fácil largar tudo sem consequência alguma, sem resistência por parte do clã? Imagine então o Clã dela, que não tem nem metade do poder do seu.

Suzume estava tendo sentimentos conflitantes sobre o rumo da conversa, mas ficou calada, tentando não se meter a menos que fosse extremamente necessário.

- Sua interpretação é completamente errada. Não sou bom nas habilidades passadas pelo meu Clã por ter nascido nele. Sou bom neles porque foi isso no que eu fui treinado. Se me treinassem em qualquer outro estilo de combate eu seria igualmente bom. - Katsumi estava tentando manter aquela conversa o mais calma possível, mas algo no tom de Hikari o irritava. - Seu nascimento influencia os caminhos que segue, com toda certeza, mas a única coisa que impede você de seguir outros caminhos é sua mentalidade. Pressão do clã e dos pais tem seus limites tambem.

O tom de Katsumi era frio, em contrapartida ao calor de Hikari. Apesar de não ter problema algum com o rapaz, sempre que o olhava ele sentia-se irritado. Por muito tempo achou que isso era um sentimento infantil de inveja, contra o qual lutou durante um tempo até notar que não tinha nada para sentir ciúmes ali. Não queria nada que Hikari tinha. Agora que conversava com ele, Katsumi finalmente notava o que havia o irritado ao longo dos anos. Aquele garoto era falso.

- Se o nascimento e status de uma pessoa são empecilhos impossíveis de serem superados, você jamais chegaria até onde você chegou. - Katsumi recostou-se no banco. - Eu sei que é difícil e sei que o conselho que dei é egoísta. Mas certo egoísmo é necessário. Você, que dizem ser o melhor da turma, não seria o melhor sem um pouco de egoísmo, não é mesmo? Não digo que quis essa posição, mas digo que seu esforço todo elevou você mesmo e não outros ao seu redor. Você ajudou quem ajudou, mas eles não dividem sua posição, não é?

Hikari ouviu tudo com uma incógnita de expressão. Nem mesmo o poder do Byakugan ainda ativado de Katsumi poderia antever que tipo de resposta viria daquela expressão.

"Tem razão. Ninguém conseguiu me alcançar. Nem mesmo você."

O pensamento cruzou a mente de Hikari em um milissegundo. Ele sabia que a Academia Ninja era brincadeira de criança. Ser o melhor ali, ele havia percebido, não significava nada. Ele precisava ser o melhor em tudo, o melhor de todos.

O sorriso pretensioso nunca veio. Se dependesse de Hikari, ele nunca viria. Ao invés disso, ele apenas ficou feliz que Suzume era uma idiota que não percebia absolutamente nada que ele não quisesse que ela percebesse.

Hikari abriu um sorriso meio lisonjeado, meio sem graça, e estreitou os olhos.

- Entendo o que quis dizer, Katsumi. - ele disse, num tom condescendente. - Mas para os clãs mais influentes e poderosos, é importante respeitar os pais e as tradições, não é? Foi o que eu quis dizer. Isso não é sobre mim. - a voz dele era mansa e gentil. - Afinal, eu tive sorte e nasci em uma família onde não tem esse tipo de pressão. Então eles podem ficar genuinamente felizes pelas minhas conquistas.

O olhar de Suzume desceu para o sanduíche, meio sem fome após a fala.

- Desculpa se não me expressei bem! - ele sorriu docemente. - Mas confesso que tô bem animado em conhecer vocês melhor. É bom conhecer outros pontos de vista, não é?

Ele continuou seu hambúrguer como se nada tivesse acontecido e ainda insistiu educadamente com Katsumi que deveria pagar pelo seu próprio lanche. No dia seguinte eles conheceriam seu novo instrutor e líder de missões.

Nada era realmente dito sobre os Jonin que tutelavam os recém formados genin, mas algo no jeito que os professores se entreolharam quando aquela equipe foi designada para aquele instrutor dava a Hikari uma esperança de ser ensinado por alguém que finalmente pudesse fazê-lo crescer exponencialmente.

Katsumi abriu um sorriso que até então não fora visto em seu rosto jovem. Era algo que mostrava que ele sentia orgulho de outra pessoa. Nesse caso era de Hikari. Ele pegou a pequena pontada que ele deu ali (e que atingiu Suzume também). A família Hyuuga não estava genuinamente feliz com o que ele fazia e conquistava, não é? Hikari estava correto, mas não da maneira como pensava. Eles não estavam felizes. Tudo o que Katsumi fez foi por conta própria, sem treinadores especiais, sem conselhos e sem ajuda. Apenas estudo e prática. Estudo e prática. Dia e noite. Ele não dependia de ninguém além de si mesmo e notava que ele e Hikari eram mais parecidos do que ele originalmente pensava. Mas...

"Meu esforço não precisa ser testemunhado ou reconhecido."

Pensou em dizer aquilo, mas era melhor a discussão acabar ali mesmo.

- Definitivamente é.